a realidade faz com que eu jamais deseje namorar um homem.
os relacionamentos heterossexuais são um mundo, e eu estou no planeta vizinho, olhando tudo e torcendo para nunca fazer parte dele.
O externo, a vida do outro, os acontecimentos do mundo… tudo isso sempre me angustiou. Como sou uma pessoa muito parada, cuja criação foi bastante baseada em conservadorismo hipóscrita, eu mais analisei do que vivi. Levando uma vida monótona, sempre fiz análise de tudo, e elas perduram pela minha mente e formam a pessoa que sou hoje. O meu medo de me relacionar com um homem advêm dessas análises e vivências.
Sou uma pessoa bissexual. Teoricamente, gênero pra mim não é um problema. Mas eu tenho que falar! Preciso falar sobre o medo descomunal que sinto só de pensar na possibilidade de um dia eu me relacionar com um homem, porque ao contrário dos que muitos pensam, bissexuais não escolhem quem vão amar.
Até alguns anos atrás eu não tinha essa cisma, mas o tempo está passando: eu estou ficando mais velha, e consequentemente estou aprendendo mais sobre a sociedade em que vivemos. Tendo em vista as minhas vivências e o pouco conhecimento adquirido durante todos esses anos, afirmo algo que pode soar exagerado: não vejo nada de positivo ou de belo no vislumbre do relacionamento heterossexual na minha vida. Não me enche os olhos; pelo contrário: me dá ânsias.
Vou discorrer este meu pensamento. Adianto que não pretendo segurar as rédeas, e que esse, ao meu ver, é um texto simples, porque penso sobre esse tema o tempo todo, mas pode ser meio ofensivo para alguns. Mas eu não estou nem aí, e não vou pedir desculpas.
O mundo é masculino. O mundo é dos homens. Ponto. Isso é um fato tão real que eu poderia segurá-lo com as minhas próprias mãos. Todas nós sabemos disso, embora para algumas custe admitir, seja por acharem que o movimento feminista foi o responsável por inverter essa realidade, ou porque a realidade é dolorosa demais para ser aceita, ou sei lá mais o quê.
Me surpreenderia se alguém dissesse que não acredita nisso, porque essa verdade é passada na nossa cara desde os primeiros momentos de nossa existência: quando, em um chá revelação, ao se descobrir que o gênero do bebê é feminino, o pai se revolta a ponto de estragar toda a festa; quando você é criança e faz uma comida gostosa e alguém da sua família diz: "vai ser uma boa esposa! ja sabe até cozinhar!"; quando você é adolescente e sua mãe/pai diz para não sair na rua com determinada roupa para não sofrer assédio (ou coisa pior); quando você mal ingressa na vida adulta e o papo de "namoradinhos" carrega um tom mais sério; quando você chega aos 30 anos muito bem-sucedida, mas não é casada e não tem filhos, então seu esforço não vale muita coisa. "Tem que ter alguém para dividir suas conquistas"; "filhos são bênçãos, não um fardo"; "você só vai ser feliz de verdade quando tiver um filho."
Se o problema fosse apenas questões desse tipo, as coisas seriam um pouquinho menos piores. Mas as minhas próprias vivências (e os próprios noticiários) dizem que não: já vi casos de meninas que sofreram abuso sexual por parte do padrasto, e as mães as consideraram culpadas; já vi casos em que mulheres fingiam estar gostando de ter relações sexuais com um homem, só porque não queriam constrangê-lo ao dizer não; já vi mulheres acabarem com sua própria saúde ao dedicar sua vida ao trabalho externo e doméstico ao mesmo tempo; já vi vítimas de violência doméstica beirarem à morte, mas apesar de tudo, não abandonar o estorvo que quase a tornou uma mera estatística (porque aos olhos da sociedade, era isso que ela iria se tornar).
E o mundo é masculino em todos os meros detalhes. Culturalmente, o homem é a regra, e a mulher é a exceção. Normalizamos a presença masculina em absolutamente tudo, e ela nos ronda como um espírito obsessor: nos filmes, nos livros, nas músicas... Quantas mulheres, por exemplo, escutam rappers masculinos? E quantos homens escutam rappers femininas, como Ebony e Julia Costa? E Cardi B? Mesmo quando somos representadas, constantemente somos difundidas sob a percepção masculina.
Vivemos sobre toda essa aura masculina. Estamos tão acostumadas com ela que procuramos deixar de ladobqualquer questionamento à essa realidade que vem sobre a nossa cabeça, alegando paranoia. Isso é muito real, até porque não fomos criadas para questionar esse tipo de coisa. Nós normalizamos, e colocamos nossas particulidades e necessidades como algo à parte, porque o normal é masculino. E isso não é exagero. A medicina historicamente se recusou a estudar as particulidades do corpo feminino sob a desculpa de que ele "é muito complexo". É tipo a regra do pronome masculino prevalecer na Língua Portuguesa, sabe? A diferença é que o primeiro é um fato horripilante, que pode nos matar. E isso não se aplica apenas à área da saúde.
Então é isso. Nascemos, e ao longo de nossas vidas, enquanto adquirimos consciência, procuramos no adequar à essa realidade; nos moldamos, como uma massinha. Nos dedicamos à brincadeiras menos contidas; ansiamos pelo feminino, ainda que inconscientemente, mas como o feminino é tal qual uma anomalia, ingressamos naturalmente no mundo dos interesses e visões masculinas. As adotamos como se fossem verdades absolutas, ainda que a realidade sempre bata na nossa cara. Você por exemplo já se questionou porque apenas as mulheres tomam anticoncepcionais? Houveram testes de anticoncepcionais masculinos, mas os efeitos colaterais eram "muito fortes", então logo a ideia foi descartada. Basicamente jogaram a batata quente em nossas mãos, mas quem liga pra isso? Ao que parece, o “sexo frágil” é mais resistente.
E não se fala sobre isso. Não se fala sobre nós. Tenho a sensação de que o universo masculino é tão barulhento e incessante quanto uma metrópole, e quando chega em nós, há apenas o vazio. E silêncio.
Silêncio também quer dizer algo. Pode falar mais alto que palavras claras.
Aí chegamos no tópico esperado: relacionamentos. Ainda que consciente de toda realidade que citei acima, você ainda espera que na dinâmica heterossexual será diferente?
Quantas histórias ouvimos de "superação de traição" nesses relacionamentos? Me diz: na maioria esmagadora, quem são os traidores e os traídos? Quem foi perdoado e quem perdoou?
Isso é tão forte, que nem mesmo a classe social muda o rumo que questões como essa costumam tomar. Assim como alguma mulher da sua família perdoou as "puladas de cerca" do marido, Beyoncé perdoou Jay Z. Iza perdoou o jurandir (que é tão irrelavente que esqueci o nome). Megan Fox, Bruna Biancardi, Ewbank, e outras mulheres que são mais ricas do que talvez nós jamais seremos.
Eu sigo uma página no Instagram que traz relatos terapêuticos. Um dia eu li uma história de superação em que uma mulher descobriu que seu marido tinha outra família. Ela, devastada, ofereceu-lhe duas opções: ou ela ou o divórcio, para que ele vivesse com a outra família. Ele escolheu ela, e a mesma, como uma boa mulher que buscou uma superação pessoal através do erro do marido, tratou bem até mesmo o filho da amante, como se ele fosse seu, sabe? O contrário também é possível. Mas a parte de superação não ia rolar, porque essa mulher certamente estaria à sete palmos do chão, e a sociedade daria razão ao homem traído e humilhado. A hipótese de superação não existiria, e seria ridícula se minimamente considerada.
Percebeu? A realidade social vai refletir no relacionamento heterossexual como uma imagem no espelho.
Todas essas reflexões me levam a temer um relacionamento com um homem porque me sinto como um animal indo em direção ao predador. Sinto toda a minha personalidade se esvaindo e se resumindo à um homem, seus descendentes e sua moradia; sinto a decepção da traição, que pode vir cedo ou tarde, e como a possibilidade de perdoar ou ir embora podem ser facilmente colocadas frente a frente, dilema que raramente existe na cabeça de um homem, porque é muito mais fácil sermos as dependentes emocionais. Não porque somos fracas ou burras, mas porque nossa existência sempre foi moldada sob um homem, até mesmo um homem hipotético (como ter que trocar de roupa para não sofrer assédio), e fugir disso é como rasgar um pedaço de si. Você não é assim, mas toda construção social está impregnada em sua mente. Você olha para uma mulher que sofreu violência doméstica e em seguida perdoou o parceiro e a julga, mas constantemente perdoa as traições do seu namorado, afinal, ele não pôde resistir e tem suas necessidades; julga a vítima que diz que vai continuar tentando mudar a natureza agressiva do cônjuge, mas acha que ter acesso ao Instagram do seu parceiro vai fazer com que ele evite curtir novamente o story de uma moça de biquíni; quando digo você, quero dizer nós: nós julgamos uma realidade que não está muito distante da nossa.
É por isso que o relacionamento heterossexual me assusta. Não tô nem aí para suas exceções, eu tenho medo! Tenho cisma! Tenho cisma de me perder no caminho, nessa jornada que é amar um homem. Porque não sou perfeita. Ainda que reconheça tudo o que eu citei acima, não há consciência social no mundo que seja capaz de prever o meu eu de amanhã. Tenho mais medo de conquistar tudo o que eu quero, mas ter meu brilho e minhas conquistas apagadas por uma presença masculina, que vai mudar para sempre a minha pessoa só porque eu o amo, do que medo de jamais conquistar algo.
E cá estou eu. Tenho 18 anos, e nunca me relacionei com um homem. Não tenho vontade de buscar por essa tal “exceção” que há por aí, porque despreendi minha existência dela. Mas a ansiedade perdura. Talvez eu esteja falando baboseira. Talvez amanhã eu apague esse texto e ria do meu surto feminista momentâneo. Talvez, daqui 1 ano, eu apareça por aí namorando um homem. Mas enquanto essa cisma perdurar, eu não vou deixar de falar sobre ela.
Amar um homem não é como na ficção. E vamos admitir: nem nela as coisas são fáceis.
mto doido como eu me sinto igualzinha, é um grande medo de ser apagada pela presença ou a falta de um homem na minha vida.
mt louco como nenhum experiência realmente é individual, esse texto todo podia ter sido tirado da minha cabeça de tanto que eu me vejo nele. eu com 21 anos não consigo enxergar um apelo se quer na ideia de namorar um homem, mesmo sendo bi e as pessoas agem como se fosse surto, e não, não é surto. é só a realidade.