depois dos 13 anos, eu nunca mais fui a mesma.
tenho a sensação de que me perdi no meio do caminho da minha adolescência. tenho 18 anos, e até hoje não descobri como voltar.
Foi na aula de Ciências. Um quase silêncio (afinal, ninguém falava, ouvia-se apenas o som das folhas de papel dos cadernos) reinava sobre a sala, e logo depois eu descobriria que aquele seria o som característico de uma sala de aula de um colégio militar. O professor, assim como eu, era novo no colégio, e parecia bastante bacana para ensinar em um lugar como aquele. No entanto, mais tarde eu também viria a descobrir que em cpm's também existem professores maravilhosos e admiráveis, embora a regra não se aplique à parte militar.
Aquele foi o primeiro momento em que eu senti um verdadeiro medo, uma ansiedade que até hoje não sei bem descrever. Medo de não me enturmar, medo de sofrer bullying (eu possuía a incrível capacidade de ficar horrível em todos os uniformes possíveis!), medo de receber uma advertência por nenhum motivo aparente e principalmente: minha primeira onda de auto-cobrança extrema, que se apossa de mim até os dias de hoje, surgiu. Eu só era uma garota de 12 anos que havia mudado de um colégio estadual simples para um militar, pertinho de fazer 13 anos. Porém, mal sabia eu que minha personalidade diante do mundo se consolidaria a partir dali, e o meu verdadeiro eu não ia mais importar. Acho que depois daquele dia, foi só ladeira a baixo.
Você já se sentiu assim? Já sentiu que em algum momento da sua vida você se tornou aquilo que o mundo veria e não o que você era de fato, e não ia mais ter volta? Até os 11 anos eu era mais extrovertida. Não tinha medo de dizer o que eu pensava sobre diversos assuntos e enfrentava quem quisesse me fazer de trouxa. Mas aos 13... ai, gente, os 13... se a primeira dificuldade do homem em lidar consigo mesmo começa a partir da crise da meia-idade, nós, mulheres, começamos a lidar com isso aos 13 anos.
Eu não nego que houveram outras idades muito marcantes também. Aos 14 passei pela pandemia; aos 15 descobri que o estilo de vida que eu levava não era o que eu realmente queria, e mudei todas as minhas concepções acerca de política e religião; 16 e 17 foram o puro suco do autoconhecimento e confiança nas amizades reais. 18 tá uma bosta, mas fazer o que. 19 chega na semana que vem.
Mas aos 13 foi quando uma sementinha foi plantada em meu coração, e em decorrência da família complicada que tenho, em vez de podada e bem cuidada, essa planta em forma de personalidade se tornou algo sem controle. Não sei por onde começa nem por onde termina. Não posso arrancar a raiz, porque seria como jogar fora tudo o que eu construí até aqui: a auto-cobrança extrema me ajudou a conquistar coisas que muitas pessoas que tiveram condições de vida melhores que as minhas não conseguiram; o medo me poupou de muitas dores, e a ansiedade... bem, ela não ajudou em droga nenhuma, a não ser prever perigos eminentes, mas isso era raro.
Em resumo, cheguei em um ponto que reconheço que tudo que plantei em mim mesma aos 13 anos deve ser reconstruído, para que haja um equilíbrio interno dentro de mim mesma e a ansiedade desapareça. Mas por onde começar? Não sei. Só sei que essa idade foi mais complexa porque ela prevaleceu. Não foi o meu jeito extrovertido e desinibido que dominou minha persona, mas sim o meu jeito contido. Parei de participar das aulas porque eu pensava que aqueles alunos que estudavam há muito mais tempo que eu no colégio militar eram tão inteligentes que iam me achar idiota por qualquer coisa que eu dissesse. Daí nascia mais um traço da minha eu atual: a comparação pra lá de extrema! Mais extrema que a auto-cobrança. Na verdade, acho que uma derivou da outra. Esse era o meu pensamento: todo mundo ao meu redor é melhor do que eu, e é por isso que o que eu penso não tem relevância. Além disso, dentro de casa não colaboravam comigo no quesito afirmações positivas. Logo, acostumei-me com o silêncio.
Essa também é a fase que você olha pra dentro se si e começa a perceber que algo está dando errado, mas não sabe sabe dizer o que é. Como somos jovens e não temos autoconhecimento o bastante para dizer a causa dessa confusão interna, nos culpamos sem hesitar. Se minha vida já era feita de culpa, após contemplar os meus supostos defeitos que estavam me impedindo de fazer coisas básicas, como me enturmar com as pessoas, a depreciação em decorrência das minha atitudes me dominaram. E eu estava na era Billie Eilish, então vocês já podem imaginar a depressão que foi.
Por isso que, em as Virgens Sucidas, "Cecília was the first to go". Quando assisti esse filme, me perguntei porque ela havia sido a primeira a ir, sendo ela a mais nova das 5 irmãs. Mas sinceramente, como não seria?! Suas irmãs eram um vislumbre do seu futuro inevitável, graças àquela família problemática, conservadora e hipócrita, "coincidentemente" muito parecida com a minha. Era como se ela já houvesse entrado no limbo dessa idade, e ao perceber que percorria um caminho sem volta (o mesmo caminho que suas irmãs mais velhas percorreram), não pôde suportar. Não sei se eu chegaria à esse nível de desespero, mas se eu tivesse ao menos 1% de visão da minha eu de agora aos 13 anos, acho que a decepção iria me tragar, e a sensação de ter andado em círculos também.
E hoje a minha maior dificuldade está sendo matar as crenças depreciativas da minha eu de 13 anos. Matar a crença de que eu não sou relevante; de que sou uma individualista egoísta; de que eu não sou nada sem meus pais; de que é melhor viver a vida sozinha, sem querer saber de ninguém; de que me expressar, seja de qual maneira for, é feio, é se expor demais. Quero ter mais fé em mim, não achar que tudo o que eu faço é um mico. Quero deixar de repensar milhões de vezes em algo que eu disse em um grupo de amigos e que nenhum deles viu nada demais, mas pra mim soou a maior besteira do mundo, a ponto de eu querer sumir e não ver mais ninguém.
Na adolescência não costumamos ver tanta necessidade ou urgência de mudar, mas quando chegamos na vida adulta, sentimos na alma o que é deixar a sua essência para trás, principalmente para agradar a própria família. Dói muito, porque ao mesmo tempo que isso significa admitir erros terríveis que pessoas que são sangue do seu sangue cometeram na formação de sua pessoa, nos sentimos culpadas por permitir com que algo do tipo acontecesse. Até hoje eu me pergunto como me acomodei tanto, e também como eu, sempre considerada uma menina tão inteligente, não fui esperta o suficiente para perceber que estava enterrando a parte mais preciosa de si mesma.
Tento não pensar que acaba por aqui; quero acreditar que a vida é evoluir, que não existe um ultimato sobre quem você é. Então tento focar em tudo o que sempre amei para aos poucos tentar reviver aquela parte de mim que ainda não tinha ciência do quanto o mundo era cruel, mas que ao fazer essa descoberta, se escondeu e raramente apareceu. Me resta a opção de correr atrás da minha cura, e prometer à Beca de 13 anos que vou consertar as coisas.
Cara, eu senti cada palavra. Dá pra ver o quanto esse período moldou você de um jeito profundo, e faz total sentido querer resgatar partes da sua essência que ficaram pelo caminho. Mas, sério, só de ter essa consciência e essa vontade de mudança já é um passo gigante. A gente não é uma coisa fixa, então ainda dá pra reconstruir, aos poucos, sem pressa. E pode acreditar: a Beca de 13 anos ficaria orgulhosa de ver você aqui, tentando se entender e se curar.